domingo, 26 de maio de 2013

Coletânea de perdas

Tu vives. Vives fraco e vulnerável. Tu choras, choras calado e angustiado. Tu andas, andas com tamanha tristeza que um único passo pisa numa poça de pesares e lágrimas. Tu vives, desta vez simplesmente porque é obrigado a viver. De cada alegria, tiras um universo de angústia. De cada momento eufórico, escondes milhares de prantos, incontidos numa única pessoa. Mas o que fazer? És forçado a aguentar e aguentar e aguentar.
És alguém que acopla pessoas, bichos e coisas a fim de maximizar sua existência ínfima e medíocre. Acontece que perdes todos. Perdes a ti mesmo eventualmente. Tua coleção mais valiosa é um álbum de figurinhas de todas coisas que já perdeu, com espaços infinitos para os que perderá. És alguém vazio, vazio, vazio, constituído de perdas.

terça-feira, 21 de maio de 2013

trilha sonora de uma segunda-feira à noite

Música: The Enemy
Artista: Mumford&Sons
Link: http://www.youtube.com/watch?v=h5vAsewkWwQ

Situação: hm...
Acontece que nos sentimos sozinhas. O que não deveria acontecer. Para resolver a solidão inconveniente fechamos e abrimos os olhos e nos encaramos. Fomos em alguma festa em alguma chácara, dado ao tédio instalado pelas outras companhias, resolvemos ir andar e conhecer o lugar ou simplesmente fugir daquilo que chamavam de "festa". Era noite e estava frio, vestíamos casacos compridos e cachecol.
Fomos andando grama à fora e sentamos em determinado ponto, apoiando-nos numa árvore.
Give me hope in silence
It's easier, it's kinder... 
Você falou algo do tipo "está tranquilo aqui" e eu concordei por impulso, meus pensamentos estavam longe... Estavam tentando atingir os seus. Eu te abracei com o braço esquerdo, senti sua cabeça repousar serenamente no meu ombro. Você pegou minha mãe direita, mais gelada do que de costume.
Tell me not of heartbreak
It plagues my soul, it plagues my soul
Seu toque sempre me deixou mais tranquila, mais calma. Dei-te um beijo na testa como símbolo máximo de proteção, mas que escondia a situação espelhada, na qual eu precisava me sentir protegida. But I came and I was nothing... De algum modo você ao meu lado significava pura e simplesmente paz. É como se fizesse aquele vazio ser aos poucos preenchidos pelos seus gestos singelos; como se a dor fosse amenizada pelo seu toque delicado e carinhoso; como se a angústia fosse suprida pela sua presença
So why did you choose to lean on
A man you knew was falling
Sentadas ali, o mundo parecia mais habitável, menos cruel. Você se ajeitou e se encolheu, ficando mais próxima de mim o que me move a te abraçar mais forte. Sinto o coração disparar porque começo a pensar em como seria se eu perdesse esse abraço. Como a tortura de viver sozinha seria perpétua e irreparável; como a existência não passaria de mera e necessária existência, sem substância tampouco essência.
And burry me beside you
I have no hope in solitude
And the world will follow
To the earth down bellow 
Sinto um desespero súbito. Felizmente você percebeu minha inquietação: levantou a cabeça de modo a me olhar com o canto superior do olho direito. Levantou-se do chão e deixou suas mãos esticadas a fim de me levantar consigo. Assim o fiz, completamente vulnerável. Você me abraçou forte, com uma força nada física, pelo contrário, tão sensível e sincera que foi o suficiente para tranquilizar meus demônios, agitados dentro de mim. E os silenciou com um beijo. Disse-me baixo "eu te amo", olhando-me fixamente e os silenciou de novo, e desta vez, para sempre.

[nunca mais te soltei desse abraço]

Give me hope in silence
It's easier, it's kinder... 

quinta-feira, 9 de maio de 2013

We've been to the top, we've been to the bottom...

Nascemos sozinhos no mundo. Completamente nus, alguns encharcados de sangue, outros com meros respingos. Choramos como que condenados injustamente e nos calamos como quem se conforma. Cortam-nos a única coisa que nos ligávamos de fato a alguém, fazem um curativo nos obrigando a superar a perda e elaborar o trauma. Pronto, daí para frente estamos sozinhos, atônitos, plenos, vazios, estupefatos, sozinhos, sozinhos...
Sim, temos uma família, na maioria das vezes. Temos nossos pais, a mãe ou só o pai. E que por um tempo cuidam de nós como se aquela coisa que nos ligávamos no nascimento ainda existisse... Como se ainda fossemos acoplados a "eles". Por alguns momentos pensamos ter amigos, amores, casos, namoros, noivados, casamentos, divórcios, mais casos, mais amigos... Pensamos... Quimera. Voamos "nas asas da Quimera" e assim seguimos o curso da vida.
Mas... Chega uma hora na qual se encontra gelada, sozinha, tremendo de frio e de medo. De frio e de medo... Nessa hora não adianta recorrer aos amigos, já não estão mais lá, tampouco aos amores, foram os primeiros a ir embora. Os pais ainda existem, mas como seres humanos normais [por mais extraordinários que pareçam] que são, possuem seus limites e não conseguem chegar e estender a mão. Nessa hora o vazio é inexorável e infindável, a escuridão é irredutível e amedronta a alma, de modo a sentir a coluna esfriar, esfriar e esfriar até chegar na nuca e imobilizar o pensamento. E finalmente paralisa por completo, sente-se inerte e o único sentimento permitido é a esperança de que uma força aja sobre você.
Sente-se sucumbindo e definhando enquanto seu corpo tenta lutar com espasmos, lágrimas, gemidos rancorosos, não adianta, é incapaz de responder. Está ali, sentada naquele chão frio e a sensação de estar caindo eternamente persiste, afinal, talvez nunca tenha, de fato, estado noutra situação senão a de estar caindo. Sente como se a vida toda fosse um constante engano, de escolhas erradas, pessoas erradas, caminhos errados, passos tortos, decisões falhas, atitudes desvarias. Com falsas esperanças de encontrar uma corda que te segurasse da eterna queda, a qual não se prendia em lugar algum. Segura estas cordas com tamanha vitalidade e alimenta o desejo de viver, percebe tempos depois a corda caindo junto de ti... O tamanho da corda é proporcional ao da expectativa e quanto maior a expectativa, maior parece a infinitude da queda.
Este buraco negro emerge e logo em seguida te devasta. Está sozinha, sentada num maldito lugar onde ninguém consegue te alcançar, onde a impossibilidade de salvação insiste irritantemente e pior, vence. Suas mãos geladas já não esquentam mais e você simplesmente desiste de tentar se manter quente. Apenas permite aquele gelo cruzar todo o seu corpo, percorrer cada veia e levar tudo que julgar conveniente. Cenas já não existem, lembranças são duvidosas, ânimo é mito e mesmo assim o coração persiste na sua tarefa de bombar sangue. As conversas são inconsistentes; os avisos, desnecessários; os conselhos, inválidos; as ajudas... bem, não existem.
Há muito não respira, apenas suspira por decepções e desilusões. Tenta em vão compreender o mundo e suas crueldades. Não se engane, também não é santa. Não sente culpa, não se arrepende, não sente, não fala, não olha... Você desistiu, fechou os olhos e se deixou cair, sem refúgios, fugas, mentiras ou máscaras. Enquanto isso, assiste aos outros passando pelas ruas como se nada estivesse acontecendo e talvez [para eles] não esteja...
Cai
Cai
Cai
E a única coisa que pensa enquanto cai é chegar um instante no qual tire forças de onde achou não existir mais. Espera avidamente pelo instante do qual retirará sua chance de sair dali. A força deverá surgir de um incômodo na boca do estômago, como se levara um soco, subirá pelo esôfago e travará na garganta. Ali ficará por alguns minutos, até atingir o âmago das coisas e te forçar a sintetizar tudo num grito impulsivo e explosivo, poderoso o suficiente para atravessar tempo e espaço, para tirar-te da inércia, para te fazer levantar, por-se à luz do sol, levar uma das mãos sobre os olhos para tampar um pouco da claridade que fere a face toda trancada na escuridão. A outra mão se estenderá para cima e se apoiará na borda do buraco, até que se levante plenamente.
Quando esse instante chegar, você sentirá apto a viver novamente, a caminhar sabendo que pode tropeçar e terá força para se equilibrar. Contudo, a vida não será mais a mesma. A ilusão não te acompanhará, terá tomado conhecimento de que está sozinha e sozinha viverá. E assim morremos sozinhos no mundo.

But..."the butterflies are still there"...