E ao mesmo tempo, não me adequo a qualquer companhia... Não consigo mais confiar em alguém para deixar que me tirem desta inércia subalterna. Não consigo pular o muro, Carlos, tampouco deixar que saltem ao meu encontro. Fiz-me incomunicável e não consigo responder ao mundo que me chama. Tão sem vida, estou submersa num grito abafado que tenta chamar por Orfeu. Mas ele também não me escuta, somos todos estrangeiros, ainda que em terras conhecidas.
Eu tenho medo, Carlos, tenho medo de não conseguir nunca mais enxergar o mundo. Medo de me perder em heterônimos vazios se sentido e significado. Medo de me reinventar a cada instante, só para não ver o horror real. Medo de não conseguir sair. Também sinto falta de gente, Carlos, de corpo de gente, abraço de gente. Mas não posso deixar que me toquem, entende? Gente tem espinhos que machucam quando tocam. Perfuram a pele outrora intacta e envenenam qualquer possibilidade de felicidade e bem-estar.
O labirinto não se desata e parece que perdi a chave. A saída não está mais no mesmo lugar que a deixei. Sinto-me engolida pelas paredes que vão cada vez mais estreitando-se e me sufocam. Não quero me tornar parte da parede, Carlos, não quero. Parece-me, contudo, que eu sou também essas paredes que me oprimem. E disso eu não gosto.
Não gosto do que sinto. Não gosto do que vejo. Esse corpo é a sua mão suja, Carlos. Assim como você, também preciso cortá-lo. Tirar de mim essa mancha, esse erro, esse medo. Tenho que lavá-lo incansavelmente, até que esteja limpo... Infelizmente, porém, não consigo limpá-lo totalmente. Ele persiste em se sujar, a cada dia, a cada instante... Algo o suja e o leva de volta ao abismo inicial... Estou presa e preciso sair.
Carlos, cadê a porta?
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